Carta Pastoral: Disponibilidade e solidariedade
CARTA PASTORAL
Disponibilidade e Solidariedade
- Atitude humilde e reconciliadora
No quadro da misericórdia divina, a queda não é vista como uma catástrofe humana, que conduz à desilusão e ao rompimento irremediável da aliança com Deus. Se Jesus não deixa de criticar a dureza de coração, Ele é o coração novo prometido pelos profetas, que em sua condescendência benévola abre as portas do perdão para o pecador arrependido e disposto à conversão. Assim, na misericordiosa aplicação da Lei, há sempre um novo início, um novo caminho e uma nova esperança. Jesus não justifica o pecado, mas sim o pecador, que se converte e assume a novidade de sua vida na soberana liberdade de Deus, que é amor.
A questão mais difícil é como viver e conceber concretamente essa realidade do perdão e da esperança no relacionamento com as demais pessoas. O Evangelho indica o caminho: sermos o próximo e o irmão do outro, de cada um. Não é à-toa que um provérbio dizia: “Amar quem está longe dispensa comprometer-se; enquanto amar os que estão imediatamente próximos obriga a comprometer-se”. Muitas vezes é o que acontece conosco. Mas a fé nos diz que o amor àquele que está próximo de nós é mediação do amor que se tem pelos que estão distantes. Um não se opõe ao outro.
Um exemplo nos é dado: o Papa Francisco mostra-se cordial no seu amor a cada pessoa, abraçando crianças, idosos e olhando nos olhos os que ele cumprimenta com afeto, no dizer dele mesmo, como irmão mais velho e experiente. A fraternidade, que o anima e o torna capaz de respeitar cada pessoa, lhe permite a experiência de uma fraternidade universal, que inclui a todos e a própria questão ecológica vista em seu aspecto humano, político, religioso, social e cultural. Pois todos são seus irmãos e irmãs, crentes e não crentes; todos, diz ele na Encíclica Laudato si, são responsáveis pelo cuidado da casa comum: a Terra.
- Mensageiros da esperança
Na parábola do joio, S. Agostinho diz que o campo, onde a semente é lançada, é o mundo, no qual convivem santos e pecadores, chamados a crescer e a se converter, graças à ação misericordiosa do Senhor. Nenhum ato humano, limitado e finito, poderá suplantar a sua infinita bondade. Embora Deus respeite a decisão do homem, sua misericórdia supera todos os nossos atos, apresentando-nos sempre novos caminhos de renovação e regeneração. Um novo modo de ser nos é dado em cada instante da vida. Podemos, no entanto, fechar-nos à graça e ao amor de Deus, pois quem está unido a Cristo não pode encontrar-se, ao mesmo tempo, no estado de pecado grave.
Por isso, S. Agostinho observa que “no campo do Senhor, isto é, na Igreja, quem era trigo por vezes se transforma em erva daninha e os que eram erva daninha se transformam em trigo”. A decisão final corresponde à escolha feita pelo indivíduo, graças à qual aparece em sua vida a diferença do bem e do mal. Porém, o perdão de Deus não deixará de estar presente, conferindo ao pecador a possibilidade de se orientar para Ele e de alcançar o sentido de sua vida, que não é diferente do sentido de cada ação realizada por ele: felicidade e liberdade na comunhão com Deus.
Contudo, em seu dinamismo interior, o homem não se esgota nem se reduz a um único momento da vida, tampouco a um discurso subjetivo e individual. A verdade de sua vida é comunhão, e ele se realiza em comunhão e como comunhão de vida. Então, ele reconhece que, no interior da mensagem de Jesus, há uma unidade indestrutível entre a mensagem dirigida a todos os homens e a sua própria vida do dia-a-dia. Relação intrínseca que elimina todo aspecto discriminatório e se exprime como comunidade de pessoas, que se doam e vivem o anúncio de Cristo, que entregou sua vida por todos no madeiro da cruz. É o encontro com Cristo vivo, crucificado e ressuscitado, que ilumina cada pessoa, mesmo aquelas que não o conhecem, mas vivem segundo uma consciência reta e justa. O pessoal e particular não constituem obstáculo à comunidade e à universalidade, bem ao contrário. Na Encíclica Laudato si, esses horizontes tornam-se ainda mais vastos. O Papa destaca que a fraternidade humana pressupõe a fraternidade cósmica, que assumida seriamente nos permite “ouvir quer o grito da terra quer o brado dos pobres”, pois tudo está ligado, de modo tal que nunca chegaremos a viver a fraternidade real sem o respeito e o cuidado pela irmã Terra.
Guiados pelo amor e pela misericórdia, nós, seguidores do Senhor, alimentaremos em nossos corações uma atitude de disponibilidade e de solidariedade, com todas as pessoas e com todas as formas de vida, sem temer que nossa identidade seja debilitada ou prejudicada. Caso nos fechemos sobre nós mesmos, estaremos então fadados a permanecer numa atitude discriminatória e exclusiva. Mas se deixarmos crescer em nós a boa semente, nosso coração há de se abrir à comunhão fraterna e a uma relação respeitosa e generosa para com todos os seres. Um laço de irmandade nos unirá profundamente.
Terminando estas breves reflexões, desejo a todos vocês as bênçãos divinas. Que a Mãe Santíssima interceda em nosso favor para sermos fiéis à verdade de Cristo na caridade!
Paz e Bem!
D. Fernando A. Figueiredo, OFM
Bispo de S. Amaro-SP