Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização

Pascom Diocesana
Por Pascom Diocesana dezembro 18, 2014 13:21

Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização

Relação Final (“Relatio Synodi”) da III Assembleia geral extraordinária do Sínodo dos Bispos: “Os desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização” (5-19 de Outubro de 2014), 18.10.2014

Traduzido pelo Pe. Dr. Ari Luis do Vale Ribeiro

Introdução

1. O Sínodo dos Bispos reunido em torno ao Papa volta o seu pensamento a todas as famílias do mundo com a sua alegria, os seus empenhos, as suas esperanças. Em particular sente o dever de agradecer ao Senhor pela generosa fidelidade com a qual tantas famílias cristãs respondem à sua vocação e missão. O fazem com alegria e com fé também quando o caminho familiar lhe põe diante de obstáculos, incompreensões e sofrimentos. A estas famílias vai o apreço, o agradecimento e o encorajamento de toda a Igreja e deste Sínodo. Na vigília de oração celebrada na Praça de S. Pedro no sábado 4 de outubro de 2014 em preparação ao Sínodo sobre a família o Papa Francesco evocou de maneira simples e concreta a centralidade da experiência familiar na vida de todos, exprimindo-se assim: «Desce já a noite sobre a nossa assembleia. É a hora em que de bom grado se regressa a casa para se reunir à mesma mesa na consistência dos afetos, do bem feito e recebido, dos encontros que abrasam o coração e o fazem crescer, vinho bom que antecipa, nos dias do homem, a festa sem ocaso. Mas é também a hora mais pesada para quem se vê cara a cara com a própria solidão, no crepúsculo amargo de sonhos e projetos desfeitos. Quantas pessoas arrastam os seus dias no beco sem saída da resignação, do abandono, se não mesmo do rancor! Em quantas casas falta o vinho da alegria e, consequentemente, o sabor — a própria sabedoria — da vida! […] Nesta noite, com a nossa oração, fazemo-nos voz de uns e de outros: uma oração por todos».
2. Seio de alegria e de provações, de afetos profundos e de relações às vezes feridas, a família é verdadeiramente “escola de humanidade” (cf. Gaudium et Spes, 52), da qual se adverte fortemente a necessidade. Não obstante os tantos sinais de crise da instituição famíliar nos vários contextos da “aldeia global”, o desejo pela família se torna vivo, em especial entre os jovens, e motiva a Igreja, ‘expert’ em humanidade e fiel à sua missão, a anunciar sem cessar e com convicção profunda o “Evangelho da família” que lhe foi confiado com a revelação do amor de Deus em Jesus Cristo e ininterruptamente ensinado pelos Padres (da Igreja), pelos Mestres da espiritualidade, e pelo Magistério da Igreja. A família assume para a Igreja uma importância de todo particular e no momento em que todos os fiéis são convidados a sair de si mesmos é necessário que a família se redescubra como sujeito imprescindível para a evangelização. O pensamento chega até o testemunho missionário de tantas famílias.
3. Sobre a realidade da família, decisiva e preciosa, o Bispo de Roma pediu a reflexão do Sínodo dos Bispos na sua Assembleia Geral Extraordinária de Outubro de 2014, para aprofundar a reflexão na Assembleia Geral Ordinária que ocorrerá em Outubro de 2015, além do inteiro ano que ocorre entre os dois eventos sinodais. «Estar ‘in unum’ em torno ao Bispo de Roma é uma graça, na qual a colegialidade episcopal se manifesta em um caminho de discernimento espiritual e pastoral»: assim o Papa Francisco descreveu a experiência sinodal, indicando os trabalhos na dúplice escuta dos sinais de Deus e da historia dos homens, e na dúplice e única fidelidade que se alcança.
4. À luz do mesmo discurso, recolhemos os resultados das nossas reflexões e dos nossos diálogos nas seguintes três partes: a escuta, para olhar a realidade da família hoje, na complexidade das suas luzes e suas sombras; o olhar fixado sobre Cristo para repensar com renovado frescor e entusiasmo o que a revelação, transmitida na fé da Igreja, nos diz sobre a beleza, sobre o papel sobre a dignidade da família; o confronto à luz do Senhor Jesus para discernir os caminhos com os quais se renovará a Igreja e a sociedade no seu empenho pela família fundada sobre o matrimônio entre homem e mulher.

PRIMEIRA PARTE
A escuta: o contexto e os desafios sobre a família
O contexto sociocultural
5. Fiel ao ensinamento de Cristo, olhamos a realidade da família hoje em toda a sua complexidade, nas suas luzes e nas suas sombras. Pensamos nos pais, nos avós, nos irmãos e nas irmãs, nos parentes próximos e distantes, e nos laços entre duas famílias que tecem cada matrimônio. A mudança antropológico-cultural influencia hoje todos os aspectos da vida e reclama uma abordagem analítica e diversificada. São enfatizados, antes de tudo, os aspectos positivos: a maior liberdade de expressão e o melhor reconhecimento dos direitos da mulher e das crianças, ao menos em algumas regiões. Mas, por outro lado, é necessário igualmente considerar o crescente perigo representado por um individualismo exasperado que desnatura os laços famíliares e termina por considerar cada componente da família como uma ilha solitária, fazendo prevalecer, em certos casos, a ideia de um sujeito que se constrói segundo os próprios desejos tomados como um absoluto. A isto se acresce também a crise de fé que tocou tantos católicos e que frequentemente está na origem das crises do matrimônio e da família.
6. Uma das maiores pobrezas da cultura atual é a solidão, fruto da ausência de Deus na vida das pessoas e da fragilidade das relações. Existe também uma sensação geral de impotência nos confrontos da realidade socioeconômica que frequentemente termina por escravizar as famílias. Assim, é para a crescente pobreza e precariedade laborativa que é vivida por sua vez como um verdadeiro pesadelo, ou pelo motivo de uma fiscalização muito pesada que não encoraja os jovens ao matrimônio. Frequentemente, as famílias se sentem abandonadas pelo desinteresse e pela pouca atenção por parte das instituições. As consequências negativas do ponto de vista das organizações sociais são evidentes: da crise demográfica às dificuldade educativas, do esforço em se acolher a vida nascente ao se advertir a presença dos anciões como um peso, até o difundir-se do desencontro afetivo que chega por sua vez à violência. É responsabilidade do Estado criar as condições legislativas e de trabalho para garantir o suceder dos jovens e ajuda-los a realizar o seu projeto de fundar uma família.
7. Existem contextos culturais e religiosos que põem desafios particulares. Em algumas sociedades vigora ainda a prática da poligamia, e em alguns contextos tradicionais o costume do “matrimônio por etapas”. Em outros contextos permanece a prática dos matrimônios combinados. Nos Países nos quais a presença da Igreja católica é minoritária são numerosos os matrimônios mistos e de disparidade de culto, com todas as dificuldades que eles comportam com relação à configuração jurídica, ao batismo e à educação dos filhos, e ao recíproco respeito do ponto de vista da diversidade da fé. Nestes matrimônios pode existir o perigo do relativismo ou da indiferença, mas pode existir também a possibilidade de favorecer o espírito ecumênico e o dialogo interreligioso em uma harmoniosa convivência de comunidades que vivem no mesmo lugar. Em muitos contextos, e não apenas ocidentais, está se difundindo amplamente a práxis da convivência que precede o matrimônio, ou também de convivências não orientadas a assumir a forma de um vínculo institucional. A isto se acresce frequentemente uma legislação civil que compromete o matrimônio e a família. Por causa da secularização, em muitas partes do mundo, a referência a Deus é fortemente diminuída e a fé não é mais socialmente compartilhada.
8. Muitas são as crianças que nascem fora do matrimônio, especialmente em alguns Países, e muitos outros que crescem com apenas um dos pais, ou em um contexto familiar mais amplo ou reconstituído. O número dos divorciados é crescente, e não raro é o caso de escolhas determinadas unicamente por fatores de ordem econômica. As crianças frequentemente são objeto de disputa entre os pais, e os filhos são as verdadeiras vítimas das dilacerações familiares. Os pais são frequentemente ausentes não apenas por causa causas econômicas, lá onde se percebe a necessidade que eles assumam mais claramente a responsabilidade pelos filhos e pela família. A dignidade da mulher tem ainda necessidade de ser defendida e promovida. Hoje, de fato, em muitos contextos, o ser mulher é objeto de discriminação, e também o dom da maternidade é frequentemente penalizado, mais do que ser apresentado como um valor. Não são esquecidos os crescentes fenômenos de violência que as mulheres são vítimas, às vezes, infelizmente, também no interior das famílias, e a grave e difundida mutilação genital da mulher em algumas culturas. A exploração sexual da infância constitui uma das realidades mais escandalosas e perversas da sociedade atual. Também as sociedades atravessadas pela violência por causa da guerra, do terrorismo ou da presença da criminalidade organizada, veem situações familiares deterioradas sobretudo nas grandes metrópoles, e nas suas periferias cresce o chamado fenômeno dos “meninos de rua”. As migrações, além disso, representam um outro sinal dos tempos a enfrentar e compreender com todas as consequências sobre a vida familiar.

A relevância da vida afetiva
9. Diante do quadro social delineado encontra-se em muitas partes do mundo, nos solteiros uma maior necessidade de se tomar cuidado da própria pessoa, de conhecer-se interiormente, de viver melhor em sintonia com a própria emoção e com o próprio sentimento, de procurar um relacionamento afetivo de qualidade; tal justa aspiração pode abrir ao desejo de empenhar-se em construir relações de doação e de recíproca criatividade, responsáveis e solidárias como as relações familiares. O perigo individualista e o risco de viver de forma egoísta são relevantes. O desafio para a Igreja é ajudar os casais na maturação das dimensões emocionais e no desenvolvimento afetivo através da promoção do diálogo, da virtude e da confiança no amor misericordioso de Deus. O pleno empenho necessário ao matrimônio cristão pode ser um forte antidoto à tentação de um individualismo egoísta.
10. No mundo atual não faltam tendências culturais que parecem impor uma afetividade sem limites da qual querem explorar todos os lados, também os mais complexos. De fato, a questão da fragilidade afetiva é de grande atualidade: uma afetividade narcisista, instável e mutável que não ajuda sempre os sujeitos a atingir uma maior maturidade. É preocupante certa difusão da pornografia e da comercialização do corpo, favorecida também por um uso distorcido da internet, e é denunciada a situação das pessoas que são obrigadas a praticar a prostituição. Neste contexto, os casais estão às vezes incertos, hesitantes, e têm dificuldade de encontrar os modos para crescer. Muitos são os que tendem a permanecer nos estados primários da vida emocional e sexual. A crise do casal desestabiliza a família e pode chegar através de separações e divórcios, que produzem sérias consequências nos adultos, nos filhos, e na sociedade, enfraquecendo o indivíduo e os laços sociais. Também a diminuição demográfica, devida a uma mentalidade antinatalista e promovida pelas politicas mundiais de saúde reprodutiva, não apenas determina uma situação na qual o futuro das gerações não está mais seguro, mas corre o risco de se conduzir no tempo a um empobrecimento econômico e a uma perda de esperança no futuro. O desenvolvimento das biotecnologias teve também um forte impacto sobre a natalidade.

O desafio para a pastoral
11. Neste contexto, a Igreja adverte a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de esperança. Ocorre partir da convicção que o homem vem de Deus e que, portanto, de uma reflexão capaz de repropor as grandes perguntas sobre o significado do ser humano, possa encontrar um terreno fértil nas esperanças mais profundas da humanidade. Os grandes valores do matrimônio e da família cristã correspondem à procura que atravessa a existência humana também em um tempo marcado pelo individualismo e pelo hedonismo. Ocorre acolher as pessoas com a sua existência concreta, saber sustentar a procura, encorajar o desejo de Deus e a vontade de sentir-se plenamente parte da Igreja também em quem experimentou o fracasso ou se encontra nas situações mais disparatadas. A mensagem cristã tem sempre em si a realidade e a dinâmica da misericórdia e da verdade, que em Cristo convergem.

II PARTE
Olhar sobre Cristo: O Evangelho da família
O olhar sobre Jesus e a pedagogia divina na história da salvação
12. A fim de «verificar o nosso passo sobre o terreno dos desafios contemporâneos, a condição decisiva é manter fixo o olhar sobre Jesus Cristo, demorar-se na contemplação e na adoração do seu rosto […]. De fato, cada vez que voltamos à fonte da experiência cristã se abrem novas impensáveis possibilidades » (Papa Francisco, Discurso de 4 de Outubro de 2014). Jesus olhou para as mulheres e para os homens que encontrou com amor e ternura, acompanhando os seus passos com a verdade, a paciência e a misericórdia, ao anunciar as exigências do Reino de Deus.
13. Dado que a ordem da criação é determinada pela orientação a Cristo, ocorre distinguir sem separar os diversos graus mediante os quais Deus comunica à humanidade a graça da aliança. Em razão da pedagogia divina, segundo a qual a ordem da criação envolve na da redenção através de etapas sucessivas, ocorre compreender a novidade do sacramento nupcial cristão em continuidade com o matrimônio natural das origens. Assim se entende o modo de agir salvífico de Deus, seja na criação, seja na vida cristã. Na criação: como tudo foi feito por meio de Cristo e em vista d’Ele (cf. Cl 1,16), os cristãos são «alegres em descobrir e prontos a respeitar aqueles germens do Verbo que se encontram escondidos; devem seguir atentamente a transformação profunda que se verifica em meio aos povos» (Ad Gentes, 11). Na vida cristã: enquanto com o batismo o fiel é inserido na Igreja mediante a Igreja doméstica que é a sua família, ele se insere naquele «processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus» (Famíliaris Consortio, 11), mediante a conversão continua ao amor que salva do pecado e doa plenitude de vida.
14. Jesus mesmo, referindo-se ao desígnio primigênio sobre o casal humano, reafirma a união indissolúvel entre o homem e a mulher, dizendo que «pela dureza do vosso coração Moisés permitiu repudiar as vossas mulheres, mas no princípio não era assim» (Mt 19,8). A indissolubilidade do matrimônio (“O que então Deus uniu, o homem não separe” Mt 19,6), não é para ser compreendido como “jugo” imposto aos homens, mas como um “dom” dado às pessoas unidas em matrimônio. De tal modo, Jesus mostra como a condescendência divina acompanhe sempre o caminho humano, cure e transforme o coração endurecido e com a sua graça, orientando-o ao seu princípio, através do caminho da cruz. Dos Evangelhos emerge claramente o exemplo de Jesus que é paradigmático para a Igreja. Jesus, de fato, assumiu uma família, deu início aos sinais na festa nupcial em Caná, anunciou a mensagem concernente ao significado do matrimônio como plenitude da revelação que recupera o projeto originário de Deus (Mt 19,3). Mas ao mesmo tempo Jesus pôs em prática a doutrina ensinada, manifestando assim o verdadeiro significado da misericórdia. Isto aparece claramente nos encontros com a samaritana (Jo 4,1-30) e com a adúltera (Jo 8,1-11), nos quais Jesus, com uma atitude de amor pela pessoa pecadora, leva ao arrependimento e à conversão (“vai e não peques mais”), condição para o perdão.

A família no desígnio salifico de Deus
15. As palavras de vida eterna que Jesus deixou aos seus discípulos compreendem o ensinamento sobre o matrimônio e a família. Tal ensinamento de Jesus nos permite distinguir em três etapas fundamentais o projeto de Deus sobre o matrimônio e a família. No início, existe a família das origens, quando Deus criador instituiu o matrimônio primordial entre Adão e Eva, como sólido fundamento da família. Deus não apenas criou o ser humano macho e fêmea (Gn 1,27), mas também os abençoou para que fossem fecundos e que se multiplicassem (Gn 1,28). Por isto, «o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne» (Gn 2,24). Esta união foi prejudicada pelo pecado e se tornou a forma histórica do matrimônio no Povo de Deus, pela qual Moisés concedeu a possibilidade de se dar um atestado de divórcio (cf. Dt 24, 1ss). Tal forma era prevalente nos tempos de Jesus. Com o Seu advento e a reconciliação do mundo caído graças à redenção por Ele operada, terminou a era inaugurada com Moisés.
16. Jesus, que reconciliou todas as coisas em si, recolocou o matrimônio e a família à sua forma original (cf. Mc 10,1-12). A família e o matrimônio foram redimidos por Cristo (cf. Ef 5,21-32), restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério do qual brota todo verdadeiro amor. A aliança esponsal, inaugurada na criação e revelada na história da salvação, recebe a plena revelação do seu significado em Cristo e na sua Igreja. De Cristo através da Igreja, o matrimônio e a família recebem a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. O Evangelho da família atravessa a história do mundo desde a criação do homem à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26-27) até o cumprimento do mistério da Aliança em Cristo no fim dos séculos com as núpcias do Cordeiro (cf. Ap 19,9; João Paulo II, Catequeses sobre o amor humano).

A família nos Documentos da Igreja
17. «Com o decorrer dos séculos, a Igreja não deixou faltar o seu constante ensinamento sobre matrimônio e família. Uma das expressões mais altas deste Magistério foi proposta pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, na Constituição pastoral Gaudium et Spes que dedica um capítulo inteiro à promoção da dignidade do matrimônio e da família (cf. GS 47-52). Ele definiu o matrimônio como comunidade de vida e de amor (cf. GS 48), colocando o amor no centro da família, mostrando, ao mesmo tempo, a verdade deste amor face às diversas formas de reducionismo presentes na cultura contemporânea. O «verdadeiro amor entre marido e esposa» (GS 49) implica a doação recíproca de si, inclui e integra a dimensão sexual e a afetividade, correspondendo ao desígnio divino (cf. GS 48-49). Além disso, a Gaudium et Spes no número 48 frisa a enraizamento dos esposos em Cristo: Cristo Senhor «vem ao encontro dos cônjuges cristãos no sacramento do matrimônio», e com eles permanece. Na encarnação, Ele assume o amor humano, purifica-o, leva-o à plenitude, e doa aos esposos, com o seu Espírito, a capacidade de o viver, permeando toda a sua vida de fé, esperança e caridade. Deste modo os esposos são como que consagrados e, mediante uma graça própria, edificam o Corpo de Cristo e constituem uma Igreja doméstica (cf. LG 11), de modo que a Igreja, para compreender plenamente o seu mistério, olha para a família cristã, que o manifesta de modo genuíno» (Instrumentum Laboris, 4).
18. «Em continuidade com o Concílio Vaticano II, o Magistério pontifício aprofundou a doutrina sobre o matrimônio e sobre a família. Em particular Paulo VI, com a Encíclica Humanae Vitae, evidenciou o vínculo íntimo entre amor conjugal e geração da vida. São João Paulo II dedicou à família uma atenção especial através das suas catequeses sobre o amor humano, da Carta às famílias (Gratissimam Sane) e, sobretudo, com a Exortação Apostólica Familiaris Consortio. Nestes documentos, o Pontífice definiu a família «caminho da Igreja»; ofereceu uma visão de conjunto sobre a vocação do homem e da mulher para o amor; propôs as linhas fundamentais para a pastoral da família e para a presença da família na sociedade. Em particular, ao tratar a caridade conjugal (cf. FC 13), descreveu o modo como os cônjuges, no seu amor recíproco, recebem o dom do Espírito de Cristo e vivem a sua chamada à santidade” (Instrumentum Laboris, 5).
19. «Bento XVI, na Encíclica Deus Caritas Est, retomou o tema da verdade do amor entre homem e mulher, que só se ilumina plenamente à luz do amor de Cristo crucificado (cf. DCE 2). Ele reafirma como: «O matrimónio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano» (DCE 11). Além disso, na Encíclica Caritas in Veritate, ele evidencia a importância do amor como princípio de vida na sociedade (cf. CV 44), lugar no qual se aprende a experiência do bem comum» (Instrumentum Laboris, 6).
20. «O Papa Francisco, na Encíclica Lumen Fidei, ao tratar o vínculo entre a família e a fé, escreve: «o encontro com Cristo, o deixar-se conquistar e guiar pelo seu amor alarga o horizonte da existência, dá-lhe uma esperança firme que não desilude. A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir uma grande chamada – a vocação ao amor – e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade» (Lumen Fidei, 53)» (Instrumentum Laboris, 7).

A indissolubilidade do matrimônio e a alegria da convivência
21. O dom recíproco constitutivo do matrimônio sacramental é radicado na graça do batismo que estabelece a aliança fundamental de cada pessoa com Cristo na Igreja. No recíproco acolhimento e com a graça de Cristo os noivos se prometem doação total, fidelidade e abertura à vida, esses reconheçam como elementos constitutivos do matrimônio os dons que Deus oferece a eles, levando a sério o seu empenho mútuo, em seu nome e diante à Igreja. Ora, na fé é possível assumir os bens do matrimônio como empenhos melhor sustentáveis mediante a ajuda da graça do sacramento. Deus consagra o amor dos esposos os confirma a indissolubilidade, oferecendo a eles a ajuda para viver a fidelidade, a integração recíproca e a abertura à vida. Portanto, o olhar da Igreja se volta aos esposos como o coração da família inteira que, por sua vez, volta o olhar para Jesus.
22. Na mesma perspectiva, fazendo nosso o ensinamento do Apóstolo segundo o qual a criação foi pensada em Cristo e em vista d’Ele (cf. Col 1,16), o Concílio Vaticano II quis exprimir a valorização do matrimônio natural e os elementos válidos presentes nas outras religiões (cf. Nostra Aetate, 2) e nas culturas apesar dos limites e das insuficiências (cf. Redemptoris Missio, 55). A presença dos ‘semina Verbi’ (sementes do Verbo) nas culturas (cf. Ad Gentes, 11) poderia ser aplicada, em alguns aspectos, também à realidade matrimonial e familiar de tantas culturas e de pessoas não cristãs. Existem, então, elementos válidos também, de alguma forma, fora do matrimônio cristão – contudo fundado sobre a relação estável e verdadeira de um homem e uma mulher –, que em cada caso acreditamos que são orientados a ele. Com o olhar voltado à sabedoria humana dos povos e das culturas, a Igreja reconhece também esta família como a célula basilar necessária e fecunda da convivência humana.

Verdade e beleza da família e misericórdia pelas famílias feridas e frágeis
23. Com íntima alegria e profunda consolação, a Igreja olha as famílias que são fiéis aos ensinamentos do Evangelho, agradecendo-lhes e encorajando-as pelo testemunho que oferecem. Graças a elas, de fato, permanece credível a beleza do matrimônio indissolúvel e fiel per sempre. Na família, «que poderia se chamar Igreja doméstica» (Lumen Gentium, 11), amadurece a primeira experiência eclesial da comunhão entre as pessoas, na qual se reflete, por graça, o mistério da Santíssima Trindade. «É aí que se aprende a resistência à fadiga e a alegria do trabalho, o amor fraterno, o perdão generoso e mesmo reiterado e, sobretudo, o culto divino pela oração e pela oferenda da própria vida» (Catecismo da Igreja Católica, 1657). A Santa Família de Nazaré é o modelo admirável, cuja escola nós «compreendemos porque devemos ter uma disciplina espiritual, se queremos seguir a doutrina do Evangelho e nos tornar discípulos de Cristo» (Paulo VI, Discurso em Nazaré, 5 de Janeiro de 1964). O Evangelho da família nutre as sementes que ainda esperam a maturação, e deve cuidar das árvores que estão murchas e não podem ser esquecidas.
24. A Igreja, enquanto mestra segura e mãe amorosa, recordando que para os batizados não existe outro vínculo nupcial que o sacramental, e que toda ruptura dele é contra a vontade de Deus, é também consciente da fragilidade de muitos de seus filhos que labutam no caminho da fé. «Portanto, sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor que nos incentiva a praticar o bem possível. Um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que a vida externamente correta de quem transcorre os seus dias sem enfrentar sérias dificuldades. A todos deve chegar a consolação e o estímulo do amor salvífico de Deus, que age misteriosamente em cada pessoa, para além dos seus defeitos e das suas quedas» (Evangelii Gaudium, 44).
25. Em virtude de uma abordagem pastoral pelas pessoas que contraíram o matrimônio civil, que se divorciaram e se recasaram, ou que simplesmente convivem (amasiados), compete à Igreja revelar a sua divina pedagogia da graça nas suas vidas e ajuda-las a atingir a plenitude do plano de Deus em si. Seguindo o olhar de Cristo, cuja luz brilha em todo homem (cf. Jo 1,9; Gaudium et Spes, 22), a Igreja se volta com amor àqueles que participam da sua vida de modo incompleto, reconhecendo que a graça de Deus age também nas suas vidas, dando a elas a coragem para realizar o bem, para cuidar com amor um do outro e estar a serviço da comunidade na qual vivem e trabalham.
26. A Igreja olha com apreensão a desconfiança de tantos jovens pelo empenho conjugal, sofre pela precipitação com a qual tantos fiéis decidem por fim ao vínculo assumido, instaurando outro. Estes fiéis, que fazem parte da Igreja, têm necessidade de uma atenção pastoral misericordiosa e encorajante, distinguindo adequadamente as situações. Os jovens batizados são encorajados a não hesitar diante da riqueza que aos seus projetos de amor procuram o sacramento do matrimônio, fortalecidos pelo amparo que recebem da graça de Cristo e da possibilidade de participar plenamente da vida da Igreja.
27. Neste sentido, uma dimensão nova da pastoral familiar hodierna consiste em dar atenção à realidade dos matrimônios civis entre homem e mulher, aos matrimônios tradicionais e, feitas as devidas diferenças, também ao concubinato. Quando a união chega a uma notável estabilidade através de um vínculo público, e conotada pelo afeto profundo, pela responsabilidade nas questões dos filhos (prole), pela capacidade de superar as provações, pode ser vista como uma ocasião de se acompanhar o desenvolvimento para o sacramento do matrimônio. Muito frequentemente, ao invés, o concubinato se estabelece não em vista de um possível futuro matrimônio, mas sem qualquer intenção de estabelecer uma relação institucional.
28. Conforme o olhar misericordioso de Jesus, a Igreja deve acompanhar com atenção e urgência os seus filhos mais frágeis, assinalados pelo amor ferido e perdido, dando novamente confiança e esperança, como a luz do farol de um porto ou de uma chama levada em meio às pessoas para iluminar aqueles que perderam o rumo ou se encontram em meio a tempestade. Consciente de que a misericórdia maior é dizer a verdade com amor, iremos além da compaixão. O amor misericordioso, como atrai e une, assim transforma e eleva. Convida à conversão. Assim, do mesmo modo entendemos a atitude do Senhor, que não condena a mulher adúltera, mas lhe pede de não pecar mais (cf. Jo 8,1-11).

III PARTE
O confronto: prospectivas pastorais
Anunciar o Evangelho da família hoje, nos vários contextos
29. O diálogo sinodal se deteve sobre algumas instâncias pastorais mais urgentes a se confiar à concretização nas singulares Igrejas locais, na comunhão “cum Petro et sub Petro”. O anúncio do Evangelho da família constitui uma urgência para nova evangelização. A Igreja é chamada a aplicá-lo com ternura de mãe e clareza de mestra (cf. Ef 4,15), em fidelidade à kenosis misericordiosa de Cristo. A verdade se encarna na fragilidade humana não per condená-la, mas para salvá-la (cf. Jo 3,16 -17).
30. Evangelizar é responsabilidade de todo o Povo de Deus, cada qual segundo o próprio ministério e carisma. Sem o testemunho alegre dos casais e das famílias, igrejas domésticas, o anúncio, também se correto, corre o risco de ser incompreendido ou de afogar-se no mar de palavras que caracteriza a nossa sociedade (cf. Novo Millennio Ineunte, 50). Os Padres sinodais muitas vezes enfatizaram que as famílias católicas por força da graça do sacramento nupcial são chamadas a ser eles próprios sujeitos ativos da pastoral familiar.
31. Decisivo será por em destaque o primado da graça, e então as possibilidades que o Espírito doa no sacramento. Trata-se de fazer experimentar que o Evangelho da família é alegria que «enche o coração e a vida inteira», porque em Cristo somos «libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento» (Evangelii Gaudium, 1). À luz da parábola do semeador (cf. Mt 13,3), a nossa tarefa é de cooperar na semeadura: o resto é obra de Deus. Não há necessidade de esquecer que a Igreja que prega sobre a família é sinal de contradição.
32. Por isto se pede que toda a Igreja reúna conversão missionária: é necessário não deter-se em um anúncio meramente teórico e desligado dos problemas reais das pessoas. Não se esquece de que a crise da fé ocasionou uma crise do matrimônio e da família e, como consequência, interrompeu-se frequentemente a transmissão da fé mesma dos pais aos filhos. Diante de uma fé forte a imposição de algumas prospectivas culturais que enfraquecem a família e o matrimônio não tem incidência.
33. A conversão é também a da linguagem, para que ela resulte efetivamente significativa. O anúncio deve fazer experimentar que o Evangelho da família é resposta às esperanças mais profundas da pessoa humana: à sua dignidade e à realização plena na reciprocidade, na comunhão e na fecundidade. Não se trata apenas de apresentar uma normativa, mas de propor valores, respondendo à necessidade de ser deles que se constata hoje também nos Países mais secularizados.
34. A Palavra de Deus é fonte de vida e de espiritualidade para a família. Toda a pastoral familiar deverá deixar-se modelar interiormente e formar os membros da Igreja doméstica mediante a leitura orante e eclesial da Sagrada Escritura. A Palavra de Deus não é apenas uma boa nova para a vida privada das pessoas, mas também um critério de juízo e uma luz para o discernimento dos diversos desafios com os quais se confrontam os cônjuges e as famílias.
35. Ao mesmo tempo, muitos Padres sinodais insistiram sobre uma abordagem mais positiva das riquezas das diversas experiências religiosas, sem calar sobre as dificuldades. Nas diversas realidades religiosas e na grande diversidade cultural que caracteriza as Nações é oportuno valorizar primeiro as possibilidades positivas e à luz delas avaliar os limites e carências.
36. O matrimônio cristão é uma vocação que se acolhe com uma adequada preparação em um itinerário de fé, com um discernimento maduro, e não considerado apenas como uma tradição cultural ou uma exigência social ou jurídica. Portanto, ocorre realizar percursos que acompanhem as pessoas e o casal, de modo que à comunicação dos e conteúdos da fé se una a experiência de vida oferecida por toda a comunidade eclesial.
37. Foi repetidamente reclamada a necessidade de uma radical renovação da praxe pastoral à luz do Evangelho da família, superando as óticas individualistas que ainda a caracterizam. Por isto se insistiu muitas vezes sobre a renovação da formação dos padres, dos diáconos, dos catequistas e dos demais agentes de pastoral, mediante um maior envolvimento das mesmas famílias.
38. Paralelamente se enfatizou a necessidade de uma evangelização que denuncie com franqueza os condicionamentos culturais, sociais, políticos e econômicos, como o excessivo espaço dado à lógica do mercado, que impede uma autêntica vida familiar, determinando discriminações, pobreza, exclusões, violência. Para tanto, que se desenvolva um diálogo e uma cooperação com as estruturas sociais, e sejam encorajados e amparados os leigos que se empenham, como cristãos, em âmbito cultural e sócio-político.

Guiar os noivos no caminho de preparação ao matrimônio
39. A complexa realidade social os desafios que a família hoje é chamada a enfrentar reclamam um empenho maior de toda a comunidade cristã para a preparação dos noivos ao matrimônio. É necessário recordar a importância das virtudes. Dentre elas, a virtude da castidade é condição preciosa para o crescimento genuíno do amor interpessoal. Com relação a esta necessidade, os Padres sinodais foram concordes ao se enfatizar a exigência de um maior envolvimento de toda a comunidade privilegiando o testemunho das próprias famílias, além de um aprofundamento da preparação ao matrimônio no caminho de iniciação cristã, enfatizando o nexo do matrimônio com o batismo e os demais sacramentos. Paralelamente, foi evidenciada a necessidade de programas específicos para a preparação próxima do matrimônio que sejam verdadeiras experiências de participação à vida eclesial e aprofundamento dos diversos aspectos da vida familiar.

Acompanhar os primeiros anos da vida matrimonial
40. Os primeiros anos de matrimônio são um período vital e delicado durante o qual os casais crescem na consciência dos desafios e do significado do matrimônio. Daí a exigência de um acompanhamento pastoral que continue depois da celebração do sacramento (cf. Familiaris Consortio, parte III). É de grande importância nesta pastoral a presença de casais de esposos com experiência. A paróquia é considerada como o lugar onde os casais experientes podem ser colocados á disposição dos mais jovens, com a eventual colaboração de associações, movimentos eclesiais e novas comunidades. Deve-se encorajar os esposos a ter uma atitude fundamental de acolhimento do grande dom dos filhos. Enfatiza-se a importância da espiritualidade familiar, da oração e da participação a Missa dominical, encorajando os casais a se reunirem regularmente para promover o crescimento da vida espiritual e a solidariedade nas exigências concretas da vida. Liturgias, práticas devocionais e Missas celebradas para as famílias, sobretudo no aniversário do matrimônio, foram mencionadas como vitais para favorecer a evangelização através da família.

Cuidado pastoral dos que vivem no matrimônio civil ou concubinato
41. Enquanto continua a anunciar e promover o matrimônio cristão, o Sínodo encoraja também o discernimento pastoral das situações de tantos que não vivem mais esta realidade. É importante entrar em diálogo pastoral com tais pessoas a fim de evidenciar os elementos da sua vida que podem conduzir a uma maior abertura ao Evangelho do matrimônio na sua plenitude. Os pastores devem identificar elementos que possam favorecer a evangelização e o crescimento humano e espiritual. Uma sensibilidade nova da pastoral hodierna consiste em se colher os elementos positivos presentes nos matrimônios civis e, feitas as devidas diferenças, nos concubinatos. Ocorre que na proposta eclesial, de se afirmar com clareza a mensagem cristã, indicamos também os elementos construtivos nas situações que não correspondem ainda ou não mais a ela.
42. Notou-se que, em muitos Países, há um «crescente número de casais convivem ‘ad experimentum’, sem algum matrimônio nem canônico, nem civil» (Instrumentum Laboris, 81). Em alguns Países isto ocorre especialmente no matrimônio tradicional, acordado entre as famílias e frequentemente celebrado em diversas etapas. Em outros Países, ao invés, está em contínuo crescimento o número daqueles que depois de ter vivido junto por longo tempo pedem a celebração do matrimônio na Igreja. A simples convivência é frequentemente escolhida por causa da mentalidade geral contrária às instituições e aos empenhos definitivos, mas também pela espera de uma segurança existencial (trabalho e salário fixo). Em outros Países, enfim, as uniões de fato são muito numerosas, não apenas por causa da rejeição dos valores da família e do matrimônio, mas, sobretudo pelo fato que casar-se é entendido como um luxo, pelas condições sociais, assim que a miséria material leva a viver uniões de fato.
43. Todas estas situações são enfrentadas de maneira construtiva, procurando transformá-las em oportunidade de caminho à plenitude do matrimônio e da família à luz do Evangelho. Trata-se de acolher e acompanhar com paciência e delicadeza. Para esta tarefa é importante o testemunho de autênticas famílias cristãs, como sujeitos da evangelização da família.

Cuidar das famílias feridas (separados, divorciados não recasados, divorciados recasados, famílias monoparentais)
44. Quando os esposos experimentam problemas nas suas relações, devem poder contar com a ajuda e o acompanhamento da Igreja. As pastorais da caridade e da misericórdia tendem à recuperação das pessoas e das relações. A experiência mostra que com uma ajuda adequada, e com ação de reconciliação da graça, um grande percentual de crises matrimoniais se superam de maneira satisfatória. Saber perdoar e sentir-se perdoado é uma experiência fundamental na vida familiar. O perdão entre os esposos permite experimentar um amor que é para sempre e não passa jamais (cf. 1 Cor 13,8). Às vezes se torna difícil, porém, para quem recebeu o perdão de Deus terá a força para oferecer um perdão autêntico que regenere a pessoa.
45. No Sínodo ressoou clara a necessidade de escolhas pastorais corajosas. Confirmando com força a fidelidade ao Evangelho da família e reconhecendo que as separações e o divórcio são sempre uma ferida que provoca profundos sofrimentos aos cônjuges que os vivem e aos filhos, os Padres sinodais advertiram a urgência de caminhos pastorais novos, que partam da efetiva realidade das fragilidades familiares, sabendo que elas, frequentemente, são mais “sentidas” com sofrimento do que escolhas em plena liberdade. Trata-se de situação diversas por fatores, sejam pessoais, sejam culturais e socioeconômicos. Deve-se ter um olhar diferenciado, como São João Paulo II sugeria (cf. Famíliaris Consortio, 84).
46. Cada Família deve primeiro ser escutada com respeito e amor fazendo-se companheiras de caminho, como o Cristo com os discípulos na estrada de Emaús. Valem de maneira particular para estas situações as palavras do Papa Francisco: «A Igreja deverá iniciar os seus membros – sacerdotes, religiosos e leigos – a esta “arte do acompanhamento”, para que todos aprendam sempre a retirar as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Es 3,5). Devemos dar ao nosso caminho o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e pleno de compaixão mas, ao mesmo tempo, sãos, livres e encorajados a amadurecer na vida cristã» (Evangelii Gaudium, 169).
47. Um particular discernimento é indispensável para acompanhar pastoralmente os separados, os divorciados, os abandonados. Seja acolhido e valorizado, sobretudo, o sofrimento daqueles que padecem injustamente a separação, o divórcio, o abandono, ou que foram constrangidos pelos maltratos do cônjuge a romper a convivência. O perdão pela injustiça sofrida não é fácil, mas é um caminho que a graça torna possível. Daí a necessidade de uma pastoral da reconciliação e da mediação através também de centros de escuta especializados a serem estabelecidos nas dioceses. Paralelamente é sempre enfatizado que é indispensável dar ciência de maneira leal e construtiva sobre as consequências da separação e do divórcio para os filhos, em todo caso vítimas inocentes da situação. Eles não podem ser um “objeto” com que se lida, e devem ser procuradas as melhores formas para que possam superar o trauma da cisão familiar e crescer de maneira o mais possível serena. Em todo caso, a Igreja deverá sempre colocar em relevo a injustiça que deriva muito frequentemente da situação de divórcio. Especial atenção deve ser dada ao acompanhamento das famílias monoparentais, de maneira particular devem ser ajudadas as mulheres que devem levar sozinhas a responsabilidade da casa e da educação dos filhos.
48. Um grande número dos Padres (sinodais) enfatizou a necessidade de se tornar mais acessível e ágeis, e possivelmente gratuitos, os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade (matrimonial). Dentre as propostas, foram indicadas: a superação da necessidade da dupla sentença; a possibilidade de determinar uma via administrativa sob a responsabilidade do bispo diocesano; um processo sumário de início nos casos de nulidade notória. Alguns Padres, contudo, se dizem contrários a estas propostas porque não garantiriam um juízo confiável. Insistiu-se que em todos estes casos se trata da avaliação da verdade sobre a validade do vínculo (matrimonial). Segundo outras propostas, seria considerada a possibilidade de se dar relevo ao papel da fé dos noivos em ordem à validade do sacramento do matrimônio, tendo certo que entre batizados os matrimônios válidos são sacramento.
49. Sobre as causas matrimoniais, a simplificação do procedimento, pedido por muitos, além da preparação de suficientes agentes pastorais, clérigos e leigos com dedicação prioritária, exige enfatizar a responsabilidade do bispo diocesano, ou quem na sua diocese poderia encarregar-se dos consultores devidamente preparados que possam gratuitamente aconselhar as partes sobre a validade do seu matrimônio. Tal função pode ser desenvolvida por um comitê (ufficio) ou pessoas qualificadas (cf. Dignitas Connubii, art. 113, 1).
50. As pessoas divorciadas mas não recasadas, que frequentemente são testemunhas da fidelidade matrimonial, são encorajadas a encontrar na Eucaristia o alimento que as sustente no seu estado. A comunidade local, e os Pastores devem acompanhar estas pessoas com solicitude, sobretudo quando existem filhos ou quando é grave a sua situação de pobreza.
51. Também as situações dos divorciados recasados exigem um atento discernimento e um acompanhamento de grande respeito, evitando toda linguagem e atitude que os faça sentir discriminados, e promovendo a sua participação na vida da comunidade. Dar atenção a eles não é para a comunidade cristã um enfraquecimento da sua fé e da seu testemunho com relação a indissolubilidade matrimonial, mas, antes, esta exprime nesta atenção a sua caridade.
52. Refletiu-se sobre a possibilidade de os divorciados e dos recasados terem acesso aos sacramentos da Penitencia e da Eucaristia. Diversos Padres sinodais insistiram a favor da disciplina atual, por força da relação constitutiva entre a participação na Eucaristia e a comunhão com a Igreja e o seu ensinamento sobre o matrimônio indissolúvel. Outros se expressaram em favor de um acolhimento não generalizado à mesa eucarística, em algumas situações particulares e em condições bem precisas, sobretudo quando se trata de casos irreversíveis e ligados a obrigações morais com relação aos filhos que virão a sofrer injustiças. O eventual acesso aos sacramentos deveria ser precedido por um caminho penitencial sob a responsabilidade do Bispo diocesano. Seja ainda aprofundada a questão, tendo bem presente a distinção entre a situação objetiva de pecado e as circunstâncias atenuantes, dado que «a imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ser diminuídas ou anuladas» por diversos «fatores psíquicos ou sociais» (Catecismo da Igreja Católica, 1735).
53. Alguns Padres Sinodais sustentaram que as pessoas divorciadas e recasadas ou amasiadas podem recorrer frutuosamente à comunhão espiritual. Outros Padres Sinodais se perguntam por que não tem acesso aos sacramentos. Foi, então, solicitado um aprofundamento da temática a fim de emergir a peculiaridade das duas formas e a sua conexão com a teologia do matrimônio.
54. As problemáticas relativas aos matrimônios mistos retornaram muitas vezes nas intervenções dos Padres sinodais. A diversidade da disciplina matrimonial das Igrejas ortodoxas põe em alguns contextos problemas sobre os quais é necessário refletir em âmbito ecumênico. Analogamente, para os matrimônios inter-religiosos será de importante contribuição o diálogo com as religiões.

A atenção pastoral pelas pessoas com orientação homossexual
55. Algumas famílias vivem a experiência de ter pessoas com orientação homossexual. Com relação a isto se questionou sobre qual atenção pastoral será oportuna diante desta situação, fazendo referência a quanto ensina a Igreja: «Não existe fundamento algum per assimilar ou estabelecer analogia, nem remota, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família». No entanto, os homens e as mulheres com tendência homossexual devem ser acolhidos com respeito e delicadeza. «Com relação a eles, se evitará qualquer sinal de injusta discriminação» (Congregação para a Doutrina da Fé, Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais, 4).
56. É totalmente inaceitável que os Pastores da Igreja sofram pressões nesta matéria e que os organismos internacionais concedam os auxílios financeiros aos Países pobres à introdução de leis que instituam o “matrimônio” entre pessoas do mesmo sexo.

A transmissão da vida e o desfio da diminuição de nascimentos
57. Não é difícil constatar ou difundir uma mentalidade que reduz a geração da vida a uma variável da projeção individual ou do casal. Os fatores de ordem econômica exercitam um peso às vezes determinante, contribuindo para o declínio acentuado da natalidade que enfraquece o tecido social, compromete a relação entre as gerações, e torna mais incerto o olhar para o futuro. A abertura à vida é uma exigência intrínseca do amor conjugal. Nesta luz, a Igreja sustenta as famílias que acolhem, educam e acompanham como o afeto os filhos diversamente especiais.
58. Também neste âmbito, deve-se partir da escuta das pessoas e dar razão à beleza e à verdade de uma abertura incondicional à vida como o que o amor humano tem necessidade para ser vivido em plenitude. É sobre esta base que se deve apoiar um adequado ensinamento sobre os métodos naturais para a procriação responsável. Isto ajuda a viver de maneira harmoniosa e consciente entre os cônjuges, em todas as suas dimensões, junto à responsabilidade na geração. Deve-se redescobrir a mensagem da Encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, que enfatiza a necessidade de respeitar a dignidade da pessoa na valorização moral dos métodos de regulação da natalidade. A adoção de meninos, órfãos e abandonados, acolhidos como filhos próprios, é uma forma específica de apostolado familiar (cf. Apostolicam Actuositatem, III,11), muitas vezes recordada e e encorajada pelo Magistério (cf. Famíliaris Consortio, III,II; Evangelium Vitae, IV,93). A escolha pela adoção e pela assistência exprime uma particular fecundidade da experiência conjugal, não apenas quando esta é marcada pela esterilidade. Tal escolha é sinal eloquente do amor familiar, ocasião para testemunhar a própria fé, e restituir a dignidade filial a quem foi privada.
59. Ocorre ajudar a viver a afetividade, também no enlace conjugal, como um caminho de maturação, no acolhimento do outro sempre mais profundo, e em uma doação sempre mais plena. Insiste-se em tal sentido a necessidade de se oferecer caminhos formativos que alimentem a vida conjugal e a importância de um laicato que ofereça um acompanhamento feito de um testemunho vivo. É de grande auxílio o exemplo de um amor fiel e profundo feito de ternura, de respeito, capaz de crescer no tempo e que na sua concretude abrir-se á geração da vida faz a experiência de um mistério que nos transcende.

O desafio da educação e o papel das famílias na evangelização
60. Um dos desafios fundamentais diante dos quais se encontram as famílias hoje é, seguramente, a educação, tornada mais empenhativa e complexa pela realidade cultural atual e pela grande influência dos meios de comunicação. São tidos em devida consideração as exigências e as expectativas das famílias capazes de existir na vida quotidiana, locais de crescimento, de concreta e essencial transmissão das virtudes que dão forma à existência. Isto indica que os pais possam escolher livremente o tipo de educação a se dar aos filhos segundo as suas convicções.
61. A Igreja desenvolve um papel precioso de amparo às famílias, partindo da iniciação cristã, através de comunidades de acolhimento. A estas é pedido, hoje mais que antes, nas situações complexas como nas ordinárias, de amparar os pais no seu empenho educativo, acompanhando os meninos, adolescentes e jovens no seu crescimento através de caminhos personificados capazes de introduzir o sentido pleno da vida, e de suscitar escolhas e responsabilidades, vividas à luz do Evangelho. Maria, na sua ternura, misericórdia, e sensibilidade materna pode nutrir a fome de humanidade e vida, pela qual é invocada pelas famílias e pelo povo cristão. A pastoral e uma devoção mariana são um ponto de partida oportuno para anunciar o Evangelho da família.

Conclusão
62. As reflexões propostas, fruto do trabalho sinodal desenvolvido em grande liberdade e em um estilo de recíproca escuta, entendem colocar questões e indicar prospectivas que deverão ser amadurecidas e precisadas pela reflexão das Igrejas locais no ano que nos separa da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, prevista para Outubro de 2015, dedicada à vocação e missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. Não se trata de decisões tomadas, nem de prospectivas fáceis. Contudo, o caminho colegial dos bispos e o envolvimento de todo o povo de Deus sob a ação do Espírito Santo, olhando o modelo da Sagrada Família, poderão nos guiar a encontrar caminhos de verdade e de misericórdia para todos. É o desejo que desde o inicio dos nossos trabalhos o Papa Francisco nos dirigiu, convidando-nos a coragem da fé e ao acolhimento humilde e honesto da verdade na caridade.

Traduzido pelo Pe. Dr. Ari Luis do Vale Ribeiro

Pascom Diocesana
Por Pascom Diocesana dezembro 18, 2014 13:21

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