Carta Pastoral – A acolhida como forma de vida cristã
CARTA PASTORAL
A acolhida como forma de vida cristã
(Páscoa – 2015)
1. A acolhida é um ministério de todos
Imagem perfeita de Deus, Jesus vive em ininterrupto diálogo filial com o Pai, doando-se completamente a todos os seres humanos. Pelo batismo, inseridos em sua vida, somos chamados à santidade e a viver a comunhão fraterna. Na comunidade cristã, a acolhida mútua efetiva uma “função divina”, pois ela age como anticorpo ao individualismo e às expressões de egoísmo, que buscam se alojar na vida humana.
Além de gestos e ações específicas, a acolhida é, sobretudo, uma atitude dinâmica de conversão e de renovação interior. Neste sentido, ela se estende a todos os membros da comunidade cristã e caracteriza a vida diocesana e paroquial. A acolhida fraterna, ministério de todos, não é um modo de comportamento exterior, muito menos um ato obrigatório, movido pelo ganho ou pelo desejo de dominar o outro. Mas é um modo de ser em Cristo, um modo de ser cristão e não o cultivo ensimesmado de si mesmo, seja individual, seja grupal. E como esse modo de ser cristão, a acolhida fraterna, exige transparência, humildade, criatividade na busca comum da perfeição evangélica, ela será então lugar para chegarmos à forma autêntica de nossa vida em Cristo.
2. A correção fraterna
O próprio Jesus fala aos seus discípulos sobre a liberdade espiritual necessária para restaurar a boa convivência e a amizade entre as pessoas. E mostra que não se trata simplesmente de um procedimento social ou de uma reconciliação da boca para fora, mas de uma atitude mística, nascida da comunhão com Deus. Aquele que trouxer o amor (ágape) divino, em seu coração, jamais abrirá espaço para algo que possa prejudicar a vida de seu semelhante. Ao contrário, será abençoado por uma harmoniosa relação entre o espírito e a graça, que o conduzirá à união com Deus, fonte de íntimo e verdadeiro respeito para com todos. A paz e a união devem prevalecer sempre. A vigilância dos homens em relação a isso há de ser constante e não menos incessante o desejo da correção fraterna: reorientar para Deus aquele que errou ou praticou o mal. Floresce e revigora então a fraternidade, dissolvendo o rancor, o ressentimento e o ódio; torna-se sempre mais vigoroso o amor ao próximo. A festa que se realiza no céu, por ocasião da conversão de um pecador, é participada por nós na acolhida fraterna.
3. A maternidade misericordiosa de Deus e da Igreja
A correção fraterna não é ideologizada, mas é fruto da misericórdia divina, que age no coração de cada um de nós, permitindo nascer em nossas comunidades uma pastoral inclusiva, que será sempre fruto da acolhida e do autêntico diálogo, que, à luz da fé e da doutrina cristã, apresentada pelo Magistério da Igreja, dinamiza e permite reconhecer, na aplicação das normas e leis, o amor benevolente do Senhor.
A disciplina eclesial, sem acolhida e amor fraterno, distancia-nos da Igreja e, certamente, não expressa a vontade de Deus. A misericórdia, condição essencial para entrar no Reino dos céus (Mt 5,7), significa estender a mão a todos para erguê-los e reconciliá-los com o Pai. Jamais restrita a uma pessoa ou a um grupo, ela exige justiça, melhor, ela urge ser justa para com todos, salvaguardando os direitos de cada um. Se por um lado, o testemunho de compreensão pela falta cometida, não significa subtrair-nos à justiça, por outro lado, a condenação do pecado, não dispensa o dever de amar o pecador, valendo sempre o lema: o perdão é ao menos tão forte como o mal.
4. O testemunho do discípulo missionário
O Papa Francisco nos recorda que “todo ensinamento da doutrina pressupõe uma atitude evangelizadora que desperta adesão do coração na acolhida, no amor e no testemunho”. Ao pôr os pés nas estradas do mundo, nós somos movidos pelo ardor missionário, haurido do encontro pessoal com Cristo. Jamais condescendentes à lógica mundana, nossos atos irão refletir a beleza, a vivência do Evangelho em sua radicalidade e, por conseguinte, a credibilidade de um proceder reto, justo e verdadeiro.
Enfim, não nos arvorando em juízes de nossos irmãos e irmãs, seremos capazes de fazê-los perceber sempre mais a fraternidade e a comunhão, como missão de todos. Se cada um for um agente evangelizador, todos os membros da comunidade exercerão o ministério de acolhida e a Igreja será reconhecida como sacramento do amor de Cristo.
Saudações fraternas, e uma abençoada Páscoa em Cristo ressuscitado!
D. Fernando A. Figueiredo, o.f.m., bispo de S. Amaro – SP