O Verdadeiro sentido do Jejum
Pe. Ari do Vale Ribeiro responde a 10 questões relativas ao jejum, muito lembrado e praticado durante a quaresma, mas também podendo ser feito em outros momentos. Esta entrevista foi publicada originalmente no Jornal do Evangelizador, edição de março/2015.
Confira na íntegra:
1. No tempo da Quaresma fala-se muito na importância da oração e do Jejum. Momento em que lembramos que o próprio Jesus quis passar pela experiência do jejum ficando 40 dias sem alimento (cf. Mateus 4, 1-11). Ele mesmo nos exorta que determinados tipos de demônio somente conseguimos expulsar com oração e jejum (cf. Mateus 17, 21). Mas há ainda uma interpretação errada de que o jejum é necessário apenas na Quaresma?
R.: O jejum era uma das formas de se praticar a religião do Povo de Israel, fixadas pelo Antigo Testamento, que Jesus, ao inaugurar o Novo Povo de Deus, o Israel de Deus, não aboliu, mas o levou à plenitude, como se lê no Sermão da Montanha (cf. Mt, cap. 5-7).
O jejum está inserido nas outras modalidades de se praticar a religião do Povo de Israel e, por isso, na mesma ocasião, Jesus as confirmou e as reordenou conforme o seu Evangelho, a saber, a oração e a esmola (cf. Mt 6, 1-18). Há também uma lógica entre estas três práticas de religião: o jejum me faz experimentar minha pequenez diante de Deus para que eu possa rezar, e o alimento que me privei pode ser partilhado com quem faz jejum não por piedade, mas porque passa fome (cf. S. Leão Magno, Sermo 6 de Quadragesima, 1-2; In: Liturgia das Horas, v. II, p. 50-51).
2. Na Bíblia encontramos diversas passagens que relatam experiências em que as pessoas buscavam alcançar graças através de um período de jejum e oração. Há ainda muitas dúvidas sobre o tema, como por exemplo, se há mais de uma forma de jejuar?
R.: O Jejum conforme propõe a Igreja Católica não é passar dia ou dias sem comer, mas abster-se de uma das refeições principais do dia, a saber, o almoço ou o jantar. Para aqueles que necessitarem, no lugar desta refeição se pode fazer um lanche, chamado “consoada”, que não passe de um ¼ de kilo, e não contenha carne (cf. 2º. Catecismo da Igreja Católica, n. 66; Petrópolis, Vozes, 1980, 87ª. ed, p. 55).
3. Deixar de consumir doces, sorvete, bebida alcoólica, chocolate ou ainda deixar de ver televisão, como algumas pessoas fazem, pode ser considerado jejum?
R.: Em tese, estas coisas são privações, não são propriamente jejuns. A questão que se deve colocar é se estas privações fazem parte de meu itinerário espiritual ou não, ou seja, se me ajudam a rezar e a partilhar, ou não.
4. Mas qual é o verdadeiro jejum? Como jejuar de forma que possamos agradar a Deus?
R.:A questão da autenticidade do jejum já se punha no Antigo Testamento. Transcrevo aqui um trecho do profeta Isaias: “Por que temos nós jejuado, dizem eles, e tu não atentas para isso? por que temos afligido as nossas almas, e tu não o sabes? Eis que no dia em que jejuais, prosseguis nas vossas empresas, e exigis que se façam todos os vossos trabalhos. Eis que para contendas e rixas jejuais, e para ferirdes com punho iníquo! Jejuando vós assim como hoje, a vossa voz não se fara ouvir no alto. Seria esse o jejum que eu escolhi? o dia em que o homem aflija a sua alma? Consiste porventura, em inclinar o homem a cabeça como junco e em estender debaixo de si saco e cinza? chamarias tu a isso jejum e dia aceitável ao Senhor? Acaso não é este o jejum que escolhi? que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? e que deixes ir livres os oprimidos, e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desamparados? que vendo o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne?” (Is 58, 3-7). Como disse acima, o verdadeiro jejum deve nos levar à oração – à Deus, e à caridade – aos irmãos. Através do jejum plenamente vivido, somos chamados a exercitar o “Mandamento novo” (Jo 13, 34-35), amando o próximo por amor a Deus.
5. Considerando que o jejum pode ser uma grande ferramenta de elevação espiritual, em que momentos devemos jejuar?
R.:A Igreja propõe dois dias de jejum, a saber, a Quarta-feira de cinzas e a Sexta-feira da Paixão. Os fieis podem jejuar quando lhes convier, a fim de
aproximar-se de Deus e dos irmãos.
6. O jejum a ser praticado durante a Quaresma tem um valor diferente?
R.: A Quaresma é um período rico do Povo de Deus para que se possa celebrar a Páscoa de Jesus Cristo com o coração renovado. A Quaresma é, portanto, um período de renovação espiritual e, para tanto, se propõe o jejum ao lado da oração e da esmola. Este período de renovação implica num período penitencial. A palavra “penitência” de um lado nos recorda o arrependimento dos pecados que se quer superar, e, ao mesmo tempo a reconciliação com Deus e com os irmãos, que foram ofendidos com os nossos pecados. O jejum quaresmal será realmente frutuoso se nos possibilitar celebrar de coração renovado a Páscoa de Jesus Cristo, nosso Salvador, arrependidos, e reconciliados com Deus e com os irmãos. Convém lembrar que uma mentalidade estóica aplicada ao cristianismo faz ver a penitencia não como meio de reconciliação, mas como sofrimento, sofrimento cristão até. Jejum não é meio de sofrimento, mas meio de nos aproximarmos de Deus e dos irmãos.
7. O jejum pode ser praticado em qualquer idade?
R.: Sob a chamada “lei do jejum” estão obrigados os católicos de 18 a 60 anos, que não estejam doentes (cf. CNBB, Sou Católico – Vivo minha fé, p. 84-85). No Brasil, como se disse acima, os dois dias que a Igreja propõe para o jejum são a Quarta-feira de cinzas e a Sexta-feira da Paixão. Os fiéis, de todas as idades, que podem jejuar, podem fazê-lo em qualquer ocasião e circunstância, por se tratar de uma prática de piedade.
8. Não podemos esquecer de que há ainda o grupo dos que exageram. Como fazer um jejum sem que ele prejudique a nossa saúde física?
R.: A Igreja é clara ao dizer que só podem jejuar os que têm saúde. Os que possuem doenças podem praticar outras formas de piedade, como a oração e a esmola (partilha).
9. Quando a pessoa faz questão de dizer a todos que conhece que está jejuando acaba fugindo do propósito principal do jejum com Deus?
R.: Sim. Jesus assim se expressou no “Sermão da Montanha”: “quando jejuardes, não fiqueis de rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para figurar aos outros questão jejuando. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os outros não vejam que estas jejuando, mas somente teu Pai, que está no escondido. E o teu Pai, que vê no escondido, te dará a recompensa” (Mt 6, 16-18). A fala do Mestre dispensa comentário.
10. Outro esclarecimento que talvez seja importante também é o de que o jejum não é uma forma de “pressionar” Deus, nem de obrigá-lo a nos abençoar, como alguns fiéis podem entender.
R.: O jejum está inserido na oração, e a oração é diálogo com Deus. Quem pressiona a Deus com promessas, jejuns e coisas afins não tem a religião esclarecida ainda. É necessário superar esta mentalidade e harmonizar-se à vontade de Deus, como rezamos no “Pai Nosso”, a oração que o Senhor nos ensinou: “Venha a nós o vosso Reino! Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu!”.